A amizade é um pé de jasmim-manga
Da equipe do Amigos
Às vezes sinto saudade daquelas amizades que cresceram dentro de mim fortes como pés de jasmim-manga. Árvores que atingiam o céu, nele traçando mapa no qual subíamos em direção às remotas regiões celestes. E fantástico disso tudo eram as motivações que nos moviam. Poder-se-ia, um amparado na amizade do outro, promover revoluções, derrubando sanguinários ditadores.
De quando em quando se acendia uma querela, vozes sobrepondo-se as demais no sentido de desejar, por méritos próprios, transformar-se no chefe, ditando leis, esbravejando ordens. Logo, porém, as gargalhadas espocavam rachando o ar, convencendo-nos da inutilidade daquele impulso ditatorial.
Ao ver um idoso caminhando solitário nas ruas, ou sentado a um banco de praça, olhar aguado e distante, imagino-o por dentro. Por certo vozes joviais gritam dentro de si, jogando-lhe nas veias cheias de obstáculos – rios que entopem minuto a minuto – luminosas sementes do entusiasmo, o qual porém não consegue vencer a armadura que o tempo, implacável, jogou-lhe sobre o corpo, enrijecendo-o.
Limita-se tão-só a lembrar. E como tem tempo, ainda que mínimo conseguido através de negociação com a morte que se avizinha, a qual aceitou atrasar-se um pouco mais, olha a escuridão interna, às vezes de olhos fechados, gesto que, possivelmente, melhora sua visão. Pode não facilitar a visibilidade dos olhos, mas aumenta e muito a da alma, que se esgarça como flor exótica, esticando-se em direção ao sol também interior. Aliás, tenho impressão de que tudo acontece no interior dos velhos, nos prados mais ermos.
Não porque ele não se interesse pelo mundo externo... É a vida que acontece aqui fora, frenética, irada e sem paciência é que não se interessa por ele. Sente-se como aquela peça do jogo de xadrez, especialmente o peão velho e desgastado, cujo hábito é ficar de olho parado no rei, na rainha, na torre... Até que, num sopro, vê-se retirado do tabuleiro.
Quanto mais me lembro dessas amizades ruidosas como temporais de verão, mais me sinto um velho peão de xadrez, prestes a ser suprimido. Mas não fico triste, não. Compreendo que tudo não passa de ilusão. Se acreditarmos em mágica, ainda que seja àquela que sobrevive de cartolas e coelhos, a vida se torna menos pesada, e a solidão do velho no banco da praça menos penosa.
A saudade das amizades frondosas, cantando dentro da gente, cavando espaço em direção ao sol, desde que a entendermos como um impulso criador ajuda-nos não só na travessia que se avizinha, mas no outro lado da vida, cujas palavras de ordem serão outra vez gritadas, preparando-nos para reinos derrubar, sejam meio as nuvens, seja em outros planetas ou galáxias.
Pensando bem não existe solidão. Isto é, desde que a alma assim o deseje. Afinal, sempre existe a possibilidade de buscar consolo num pé de jasmim-manga, ou, quem sabe, à sombra de qualquer grande e amorosa árvore. Nelas habitam as melhores memórias. Nelas, por fim, bate o generoso coração das verdadeiras amizades.
Manoel Magalhães
A arte de ser feliz. Tudo está certo, no seu lugar, cumprindo o seu destino. E eu me sinto completamente feliz. Mas, quando falo dessas pequenas felicidades certas, que estão diante de cada janela, uns dizem que essas coisas não existem, outros que só existem diante das minhas janelas, e outros, finalmente, que é preciso aprender a olhar, para poder vê-las assim. Cecilia Meireles
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